Bioinsumo atende mais de 30 espécies florestais e amplia restauração ecológica

A inovação amplia o alcance da técnica de recuperação de solos com o uso de microrganismos

11/11/2025 às 10:19 atualizado por Redação - SBA
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Pesquisadores da Embrapa Agrobiologia (RJ) desenvolveram um insumo biológico (inoculante) de amplo espectro, capaz de atender pelo menos 31 espécies florestais leguminosas. A inovação amplia o alcance da técnica de recuperação de solos com o uso de microrganismos, reconhecida desde a década de 1990 pela capacidade de recuperar solos severamente degradados, como os afetados pela mineração, erosão ou ocupação urbana desordenada. O produto, que está em fase final de desenvolvimento, pode contribuir para fortalecer o mercado de bioinsumos no País.

Das mais de 800 estirpes de rizóbio (bactérias do solo) isoladas pela Embrapa, duas foram selecionadas pela capacidade de estabelecer simbiose eficiente com 31 espécies florestais, cobrindo assim um leque expressivo de leguminosas nativas e de valor comercial. “Com essas estirpes, conseguiremos eliminar uma das principais barreiras à adoção dessa técnica em larga escala, que é a especificidade entre bactéria e planta hospedeira”, explica Sérgio Faria, pesquisador da Embrapa Agrobiologia.

Essas descobertas abrem caminho para o desenvolvimento de inoculantes multiespécies, de largo espectro, capazes de atender simultaneamente várias espécies florestais utilizadas em ações de reabilitação ambiental em todos os biomas brasileiros. “A indústria de inoculantes não consegue produzir uma formulação para cada espécie florestal. Ter um produto com ampla compatibilidade é um ganho técnico e econômico para todos”, ressalta Faria.

Trata-se de uma solução que reduz custos e simplifica a logística de produção e aplicação. O objetivo é oferecer aos viveiristas e restauradores um inoculante único, eficiente para diferentes espécies usadas em projetos de recomposição florestal em todos os biomas brasileiros, sem perda de eficiência na fixação de nitrogênio.

O avanço resulta de um trabalho de décadas conduzido pelos pesquisadores da Embrapa Agrobiologia, com apoio de instituições públicas, universidades e empresas privadas. O foco é unir ciência do solo, microbiologia e ecologia para restaurar paisagens degradadas com base em processos naturais, especialmente na interação entre plantas leguminosas, bactérias fixadoras de nitrogênio e fungos micorrízicos (foram simbioses com as raízes das plantas).

Trinta anos de pesquisa para recuperar o que parecia perdido
A técnica de recuperação com o uso de microrganismos teve início há mais de três décadas, quando a Embrapa Agrobiologia buscava alternativas para regenerar áreas que haviam perdido completamente sua estrutura e fertilidade, sobretudo em regiões mineradas. Na época, o desafio era restaurar o “chão”, transformando substratos pobres em solo vivo novamente.

Nos primeiros experimentos foram testadas menos de dez espécies de leguminosas com potencial madeireiro, como sabiá (Mimosa caesalpiniifolia), gliricídia (Gliricidia sepium) e saman (Samanea saman). Hoje, a base de dados acumulada pela Embrapa já contempla centenas de espécies com potencial de uso em todos os biomas brasileiros, desde a Amazônia até o Semiárido. “Começamos com poucos exemplos e hoje temos informações que orientam o uso de leguminosas para praticamente todas as condições de solo e clima do País”, observa o pesquisador Alexander Resende.

O papel invisível dos microrganismos

O segredo da tecnologia está na associação simbiótica entre plantas e microrganismos. As bactérias conhecidas como rizóbios colonizam as raízes das leguminosas e formam nódulos, onde capturam o nitrogênio do ar e o convertem em uma forma assimilável pela planta. Os fungos micorrízicos, por sua vez, ampliam o alcance das raízes no solo, favorecendo a absorção de água e nutrientes, especialmente o fósforo.

Essa relação de troca cria uma aliança que aumenta o crescimento vegetal mesmo em solos degradados e acelera a formação de matéria orgânica. As folhas, raízes e galhos caídos enriquecem a terra e reativam processos ecológicos essenciais, como a ciclagem de nutrientes e a retenção de água. “O que fazemos é otimizar uma simbiose natural, selecionando as bactérias, fungos e espécies de plantas mais adaptadas para formar um sistema eficiente, capaz de reconstruir a fertilidade e preparar o terreno para o retorno da biodiversidade”, resume Eduardo Campello.

Evidências de sucesso em campo

A técnica já foi aplicada com êxito em áreas de mineração de bauxita e ferro na Amazônia e em Minas Gerais, em jazidas de piçarra no Rio Grande do Norte, e na recuperação de encostas e voçorocas no estado do Rio de Janeiro. Também há registros de uso em projetos de restauração na Caatinga e no Cerrado, sempre com resultados consistentes.

Os primeiros sinais visuais aparecem após aproximadamente 12 meses, com vegetação cobrindo o solo e controle da erosão. Em quatro a cinco anos, as áreas adquirem aspecto de “floresta jovem”. Estudos mostram ainda que, após uma década, a fauna local retorna e mais de 40 novas espécies vegetais passam a colonizar espontaneamente a área — número que chega a 70 espécies na Amazônia. “Conseguimos estabelecer uma cobertura herbácea, arbustiva e arbórea, mesmo nos cenários mais inóspitos. A vida volta, e o solo volta a respirar”, relata Faria, que conduz os estudos com microrganismos desde os primeiros experimentos da Embrapa Agrobiologia.

Sustentabilidade e metas globais

Além de reduzir custos, o uso desses inoculantes tem impacto ambiental direto. Ao eliminar a necessidade de adubação nitrogenada mineral em viveiros e áreas em processo de restauração, a tecnologia evita perdas de nitrogênio para a atmosfera e águas subterrâneas — um problema ambiental e econômico conhecido. Estima-se que cerca de 50% do nitrogênio aplicado em adubos convencionais é perdido por volatilização e lixiviação.

O avanço também contribui para as metas de sustentabilidade assumidas pelo Brasil, como o Código Florestal, o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) e os compromissos internacionais do Acordo de Paris. “Estamos na década da restauração, e com a COP30 acontecendo na Amazônia, é essencial mostrar soluções brasileiras baseadas em ciência e na natureza. As leguminosas inoculadas com microrganismos são uma das ferramentas mais eficazes para recuperar funções ecológicas em áreas degradadas”, complementa Resende.

Parcerias e próximos passos

O desenvolvimento da tecnologia contou com o apoio de instituições como: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Fundação de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento (Faped), e de empresas como Alcoa, Alumar, BHP, MRN, Norsk Hydro, Petrobras, Vale, além de parcerias com o Centro de Pesquisas, Desenvolvimento e Inovação Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes/Petrobras), o Instituto Federal de Educação do Rio de Janeiro (IFRJ), a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e prefeituras locais.

A equipe da Embrapa planeja agora ampliar testes com os inoculantes multiespécies e trabalhar com a indústria de bioinsumos para viabilizar a produção em escala e o treinamento de viveiristas em todo o País.

Fonte: EMBRAPA