Sistema de reuso aumenta em 61% a eficiência no uso da água na irrigação de hortaliça

O sistema de reuso de solução nutritiva drenada é utilizado também no cultivo hidropônico de folhosas

18/11/2025 às 10:16 atualizado por Redação - SBA
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Um sistema baseado no uso de filtros de areia e equipamento de esterilização ultravioleta (UV) permite tratar e reutilizar na própria cultura, de forma segura, a solução nutritiva recolhida na irrigação de hortaliças cultivadas em substratos (sem solo). Desenvolvido pela Embrapa Agroindústria Tropical (CE), o sistema de reuso aumenta em 61% a eficiência de uso da água na produção e reduz em 29% o consumo de fertilizantes na irrigação, com economia para o produtor e benefícios para o meio ambiente.

Segundo o pesquisador Fábio Miranda, responsável pelos estudos, entre outras vantagens, o cultivo irrigado em substrato proporciona melhor desempenho produtivo nas culturas, em relação ao cultivo no solo. Entretanto, essa estratégia de produção requer a aplicação diária de um volume de água ou solução nutritiva maior do que a necessidade hídrica das plantas, para lavar os sais e manter a salinidade no interior dos vasos de cultivo nos limites tolerados pela cultura. Altos níveis de salinidade dificultam a absorção de nutrientes e prejudicam o desenvolvimento das plantas e, consequentemente, a produtividade.

O especialista explica que as perdas de água e de nutrientes nessa forma de cultivo podem chegar a 30%, dependendo da salinidade da água utilizada na irrigação.  O aproveitamento da solução drenada dos vasos, denominada solução lixiviada, possibilita o uso mais racional de fertilizantes, diminui o processo de salinização do solo, evita o descarte inadequado de efluentes com substâncias potencialmente poluentes e reduz o uso de águas subterrâneas e de superfície na irrigação. Apesar das vantagens econômicas e ambientais, esse tipo de sistema ainda é pouco utilizado no Brasil e em outros países, devido às dificuldades de manejo.

Os principais desafios para reutilização da solução nutritiva em cultivos irrigados estão relacionados à disseminação de patógenos causadores de doenças e ao aumento dessa salinidade dessa solução. “O aproveitamento da solução recolhida de uma planta doente pode contaminar todo o cultivo. Para evitar esse problema, no sistema de reuso, incorporamos processos de tratamento do líquido recolhido, que garantem a reutilização com segurança para a cultura e menor custo no processo produtivo, em função da redução de gastos com fertilizantes, além de ganhos ambientais”, ressalta Miranda.

As pesquisas para desenvolvimento do sistema foram realizadas por meio do projeto Otimização do uso da água e de fertilizantes no cultivo protegido sem solo de tomate cereja na Serra da Ibiapaba, desenvolvido pela Embrapa Agroindústria Tropical, em parceria com a empresa Estufa Timbaúba. Os resultados estão reunidos na publicação Sistema de cultivo protegido do tomate em substrato com reuso da solução nutritiva.

 

 

Validação para a cultura do tomate

Para validar o sistema, foram avaliados plantios comerciais de tomate tipo grape em substrato de fibra de coco, implantados em uma estufa com 2.500 metros quadrados, em Guaraciaba do Norte (CE). A pesquisa comparou o consumo de água e fertilizantes em dois cultivos com 1.000 plantas cada, com o sistema de reuso e sem o reuso.

Na cultura do tomate, uma planta adulta recebe 2,4 litros de água por dia, às vezes até mais, dependendo das condições climáticas, e cerca de 20% a 30% se perdem por lixiviação. Os resultados mostraram que o consumo de água efetivamente utilizada na irrigação, no sistema com reuso, foi 25% mais baixo que sem o reuso da solução. A eficiência no uso da água (EUA) na irrigação das plantas foi de 18,6 quilos de tomate por metro cúbico, 61% maior que no cultivo sem reuso (11,5 quilos por metro cúbico de água).

Já a quantidade de fertilizantes utilizada reduziu 29%, em relação ao sistema sem reuso. Esse resultado corresponde a uma economia de 900 quilos do produto, em apenas um ciclo produtivo de 180 dias e redução de 24% nos custos desse insumo, no sistema com reutilização da solução nutritiva na irrigação.

A análise de custos mostrou que, embora o investimento inicial no sistema com reuso seja maior, seu custo operacional é menor que do sistema sem reuso, devido à economia com fertilizantes e energia elétrica na irrigação. “Além disso, os custos com implantação são compensados ao longo do ciclo de produção, pela redução de despesas com esses insumos e, com o tempo, essa economia passa a constituir receita, aumentando a rentabilidade na cultura”, complementa o pesquisador.

 

Dinâmica de funcionamento do sistema

A tecnologia é composta por filtros com leito de areia fina, de filtragem lenta, instalados em paralelo, seguidos de um esterilizador ultravioleta (UV) e reservatórios para o armazenamento da solução recolhida dos vasos de cultivo e da solução tratada. A solução nutritiva é coletada por meio de calhas de polipropileno (plástico leve e resistente), posicionadas debaixo dos vasos de cultivo, que levam o produto para um tanque reservatório. Quando esse tanque enche, a solução é bombeada para os filtros de areia, para tratamento de impurezas e desinfecção.

Os filtros são construídos com bombonas de plástico de 200 litros, tubos de PVC para passagem da água, uma camada de brita no fundo, areia como elemento filtrante, medidor de vazão e válvula de controle para regular a velocidade do fluxo de água.

Miranda explica que no processo de filtragem lenta a solução deve passar pelos filtros com baixa vazão (100 a 250 litros por hora, por metro quadrado de área filtrante). Cada filtro do sistema tem capacidade para filtrar até 125 litros de solução nutritiva por hora. Quando é necessário filtrar uma quantidade maior de solução, são utilizados também filtros paralelos, de acordo com o volume que precisa ser filtrado. “Adaptamos o filtro de areia com materiais econômicos e agregamos um equipamento de esterilização também com preço acessível, para viabilizar um sistema de baixo custo”, destaca.

Na cultura do tomate, uma planta adulta recebe 2,4 litros de água por dia, às vezes até mais, e cerca de 20% a 30% se perdem por lixiviação. 

Após a filtragem, a solução passa por tratamento de esterilização com raios ultravioletas (UV), para eliminação de possíveis micro-organismos transmissores de doenças para as plantas, e vai para outro reservatório. Tratada, ela é utilizada na formulação de uma nova solução nutritiva, com as quantidades de nutrientes adequadas à necessidade das plantas, que será utilizada na fertirrigação da cultura.

Eficiência atestada

Também chamado de filtro biológico, o filtro de areia é um equipamento com alta eficiência no processo de desinfestação de água. Estudos revelam que, devido à filtragem lenta, na superfície de areia se desenvolve uma camada de micro-organismos (espécie de lodo) com elevada atividade biológica, que atuam na eliminação de patógenos no processo de filtragem da solução nutritiva lixiviada. Já o esterilizador ultravioleta (UV) é um equipamento com alta capacidade de eliminar bactérias e outros micro-organismos na água. 

Para garantir a qualidade necessária para reuso da solução nutritiva drenada, na irrigação das plantas, o processo de desinfestação com filtro de areia e equipamento ultravioleta foi testado no Laboratório de Fitopatologia da Embrapa Agroindústria Tropical, com uma solução contendo esporos do fungo Fusarium, de ocorrência em culturas como tomate e pimentão. Os resultados dos testes microbiológicos, realizados antes e após a passagem da solução pelo tratamento, atestaram a ausência de micro-organismos patógenos no produto, comprovando a eficiência do processo.

“Verificamos que a filtragem lenta em areia é uma alternativa eficiente na desinfestação da solução nutritiva, com ou sem radiação ultravioleta (UV), especialmente na eliminação de esporos de Fusarium. A técnica pode ser promissora no tratamento dessa solução para diferentes culturas hidropônicas sensíveis a outros microrganismos causadores de doenças. O sistema de reuso é vantajoso para o produtor, mas é importante que, na sua adoção, ele leve em consideração a possibilidade de presença de patógenos na solução nutritiva coletada e tome a decisão de realizar o tratamento adequado para não ter a sua produção comprometida”, afirma o pesquisador Marlon Valentim, responsável pelas análises.

Destinação sustentável

A Serra de Ibiapaba é um importante polo de produção de hortaliças do Ceará e quase toda a água utilizada na irrigação das culturas é proveniente de aquíferos subterrâneos e captada de poços. A retirada desse recurso natural do subsolo implica gastos, especialmente com energia elétrica, e redução dos níveis dos aquíferos. Em sistemas de cultivo irrigados abertos, sem reuso da solução nutritiva recolhida dos vasos das plantas, há um desperdício significativo de água e nutrientes.

Conforme o pesquisador Marlos Bezerra, que acompanha os testes com o sistema de reuso em folhosas, com o sistema de reuso o produtor evitar desperdícios de água e nutrientes e pode diminuir a dependência de recursos hídricos do subsolo. Além disso, possibilita uma destinação sustentável para um produto que em cultivos convencionais seria descartado no meio ambiente. “A eliminação ou redução do descarte desse liquido no solo, por meio da reutilização na própria cultura, tem impactos ambientais expressivos por reduzir riscos de contaminação de águas subterrâneas e mananciais como rios e lagos”, avalia.

Validado para a Serra da Ibiapaba, o sistema de reuso pode ser adaptado para outras localidades do Ceará e outros estados como alternativa para otimizar o uso de recursos hídricos e de nutrientes, além de aumentar a eficiência desses insumos. Os estudos mostram que no cultivo comercial de tomate, em um ciclo produtivo de 180 dias, o consumo de adubos caiu em 900 quilos em relação ao sistema de irrigação sem reuso de solução nutritiva.

Aproveitamento de água de chuvas

O uso de água de chuvas misturada com a solução coletada dos vasos das plantas aumenta ainda mais as vantagens do sistema de reuso, por possibilitar a formulação de uma nova solução nutritiva com água de alta qualidade (baixíssima salinidade) e reduzir a necessidade do uso de águas subterrâneas e de superfície na irrigação. Coletada da cobertura das estufas, por meio de calhas e tubulações, essa água deve ser armazenada em um reservatório escavado no solo e revestido com geomembrana (material flexível e impermeável), conforme orientações da pesquisa. 

De acordo com os estudos realizados na Serra da Ibiapaba, o volume de água de chuvas recolhido da cobertura de uma estufa com área de 2.500 metros quadrados, utilizado em conjunto com a solução nutritiva reaproveitada, foi suficiente para atender a demanda total de água na irrigação das plantas de tomateiro, nessa estufa, em dois ciclos de cultivo, ao longo de um ano.

Segundo Bezerra, como o cultivo protegido de hortaliças já é disseminado na região da Ibiapaba, os produtores podem integrar essa produção ao sistema de reuso da solução nutritiva, com a captação de água da chuva. “Essa estratégia é muito vantajosa tanto do ponto de vista econômico, por reduzir custos na atividade produtiva, como em termos ecológicos, por proteger o meio ambiente”, acrescenta. 

Parceria para adoção da tecnologia

Desde março de 2025, o sistema de reuso de solução nutritiva drenada é utilizado também no cultivo hidropônico de folhosas (alface, rúcula, cebolinha e coentro) em substrato de areia, em ambiente protegido por estufas. A sua adoção é viabilizada por meio de parceria com a Empresa Forteagro, localizada em Guaraciaba do Norte (CE), que instalou uma vitrine tecnológica na sua área comercial, para a produção comercial de hortaliças e demonstração da tecnologia para diferentes públicos.

“Queremos expandir o cultivo protegido de hortaliças para toda a região de Ibiapaba, agregando o conceito de sustentabilidade. Podemos alcançar diferentes objetivos, desde a disseminação das tecnologias e uso da vitrine como espaço para aprendizagem de produtores e técnicos, até a comercialização do sistema de irrigação e todos os componentes e insumos necessários para a produção sustentável de hortaliças”, destaca Gutenberg Pinto, proprietário da Forteagro.

Fonte: EMBRAPA